Bacafá

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quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Contos de quinta: Perfume.

Depois de uma longa apnéia criativa, volto aos Contos de quinta, sem prometer aos meus leitores a assiduidade de outrora. Apenas prometo que tentarei. Para recomeçar, uma pequena história de reencontro.

Perfume.

Ela estava ali, distante. E praticamente ao alcance das minhas mãos. Olhando a vitrine, mas sem ver as roupas. Era essa a impressão, pelo menos. Sete anos depois... quem diria? Não pensava em encontrá-la tão cedo. Se é que sete anos pode ser considerado pouco tempo. Vendo-a, dali, os sentimentos misturavam-se. Não sabia se ficava apenas observando, se ia falar com ela ou se jogava uma pedra na cabeça dela. Hehe... pensei que os sentimentos tinham acabado, mas apenas estavam misturados e escondidos em algum lugar.

Foi difícil perdê-la. Mas tudo indica que ela fez a escolha certa. Eu era apenas um fotógrafo de jornal. De um jornal pequeno, diga-se. Ela uma jornalista ambiciosa, com sonhos, muitos sonhos. Nosso amor parecia perfeito; todos diziam que combinávamos. E um dia ela não quis mais. Cansou de namorar um fotógrafo de jornal pequeno, que não lhe dava maiores perspectivas. Acabou conhecendo um jornalistazinho inglês afetado e pernóstico. Não é fácil sentir-se trocado por alguém tão sem sal.

Depois descobri, pelos amigos em comum, que o jornalistazinho inglês afetado e pernóstico era, na realidade, um americano gente boa, inteligente e divertido, principal âncora de uma grande rede de televisão inglesa. Realmente a competição ficou difícil. Ela fez a escolha certa, afinal. Logo se transformou em correspondente internacional enquanto eu continuo um fotógrafo de um jornal pequeno. Possivelmente um fotografozinho metido e ranzinza de um jornaleco meia boca.

Nunca mais tinha ouvido falar dela. Os amigos em comum agora não existiam mais. Trocava o canal quando ela aparecia no noticiário da televisão em rede nacional falando alguma coisa sobre a Europa. Não lia as reportagens assinadas por ela. Eu continuava apenas tirando minhas fotos das tragédias humanas medíocres para o pequeno jornal.

O perfume continuava o mesmo. Sei que isso praticamente era impossível depois de tantos anos na Europa, mas foi o cheiro que senti. Ela ainda tinha seu charme, mas o ar estava mais sério. Não estava vendo aquele sorriso que nunca abandonava seu rosto. Ela adorava sol e o dia estava lindo; céu sem nuvens. Por isso, ainda mais, aquele rosto sem sorriso era estranho. O que será que fazia por aqui tantos anos depois?

Taquicardíaco, aproximei-me ainda mais dela, lentamente, aspirei profundamente seu perfume e continuei meu caminho em direção ao meu pequeno jornal sem graça.

5 comentários:

Anônimo disse...

muito bom!

Anônimo disse...

vai ter continuação?????

Raphael Rocha Lopes disse...

Obrigado 250876.
Anônimo, acho que o cara não teve coragem de conversar com ela e tocou a vida assim mesmo.

Anônimo disse...

Às vezes é o melhor a ser feito, né? A falta de coragem pode ser o melhor que poderia nos ter acontecido em determinadas situações... Por sinal, achei que alguns trechos desse conto combinam de forma muito íntima com você... se é que me entende, claro. Ótimo conto, estava com saudades! Ah, e o anônimo ali de cima não sou eu, tá?

Carol disse...

Quero ler mais crônicas tuas, são muito boas. Claro que gostei da última, né, o jornalismo está presente, hehe. abraços.